Um cancioneiro Escolar Urxente (CEUR) para o Concelho de Rianxo
Resumo
O Cancioneiro Escolar Urxente do Concello de Rianxo (CEUR) nasceu como uma intervenção cultural que visa a recuperação do património musical da nossa comunidade. O principal agente desta ação é a comunidade educativa do CEP X. Mª Brea Segade de Taragonha, um pequeno laboratório de observação do nosso folclore musical.
El Cancionero Escolar Urxente del Concello de Rianxo (CEUR) nace como una intervención cultural destinada a recuperar el patrimonio musical de nuestra comunidad. El principal agente de esta acción es la comunidad educativa del CEP X. Mª Brea Segade de Taragonha, un pequeño laboratorio de observación de nuestro folklore musical.
The Cancioneiro Escolar Urxente do Concello de Rianxo (CEUR) was born as a cultural intervention aimed at recovering the musical heritage of our community. The main agent of this action is the educational community of CEP X. Mª Brea Segade de Taragonha, a small observation laboratory of our musical folklore.
Texto
Poucos meses antes de o neologismo Covid-19 se tornar familiar nas nossas vidas, o técnico do serviço de normalização linguística da Câmara Municipal de Rianxo, David Cobas, pediu-me para o visitar no seu gabinete. Há muito que colaboramos em diferentes projetos em que a defesa da língua, a música e a educação de adultos e menores estiveram sempre presentes. Portanto, o convite não me causou nenhuma surpresa. A proposta dele era mais ou menos a seguinte: reunir num cancioneiro todas as canções do Rianxo que fui recolhendo e utilizando durante anos nas minhas aulas de música.

A princípio, o pedido pareceu facilmente aceitável, pois eu tinha um importante estoque de melodias transcritas e testadas em sala de aula com meu alunado. Entendi imediatamente o desafio de expor anos de trabalho em apenas algumas páginas, nas quais muitas pessoas estiveram envolvidas e inúmeras fontes foram utilizadas.
Como simples exercício preparatório, escrevi algumas breves reflexões num caderno, ideias elementares que me acompanharam desde os primórdios no meu percurso profissional como ensinante-aprendiz de música.
1º A música patrimonial galega deve ser a base fundamental do repertório utilizado na sala de aulas no ensino obrigatório. Quanto mais próximo o repertório estiver de origem das crianças, maior será o seu valor educacional. Uma canção recolhida e cantada pelo alunado de Rianxo, insere-se numa forma natural, autorreferencial e culta de se expressarem.
2º A cultura musical de uma localidade deve ser observada em paridade com a língua, com as tradições, com a paisagem, com a arquitectura popular e as construções singulares etc. Estando muitas das nossas escolas em zonas rurais, fazemos, porén, um grande esforço por ensinar ao nosso alunado as partes das plantas em ilustrações de livros de texto, quando fora das paredes e a poucos metros, a natureza nos oferece magníficos exemplos. O mesmo acontece com o folclore padronizado que as editoras reproduzem. As suas partituras podem fazer com que não vejamos a extraordinária paisagem musical que nos é apresentada através dos vidros das janelas.
3º A música patrimonial favorece a comunicação intergeracional. A globalização cultural tem como um dos seus piores efeitos ‒talvez o mais procurado pelos globalizadores‒ a desconexão entre as gerações analógicas e as digitais. Mas estas últimas não são educadas no uso das mídias para seu crescimento pessoal, mas sim para serem úteis à indústria que os contratará e da qual, paradoxalmente, serão consumidores fiéis. Qualquer caminho que abrimos para comunicar culturalmente avós e avôs com seus netos e netas é um ato de resistência contra o pensamento único globalizante, e só por isso, já estaria bem.
Então, como abordamos o repertório local para selecionar um corpus que possamos usar em sala de aula? Estamos a falar do problema das fontes, que devem ser confiáveis e adequadas ao que o currículo escolar exige de nós.
As fontes historiográficas indiretas
Um primeiro contacto com o folclore musical de uma localidade envolve um estudo o mais detalhado possível das fontes historiográficas. Gostaria de esclarecer que em pesquisas de natureza etnográfica considero como indireta qualquer fonte em que não haja contacto direto entre o observador e o observado. Assim, um arquivo de som gravado por outra pessoa que não é aquela que faz o estudo, a meu ver, já o torna uma fonte indireta. O folclore musical é essencialmente performativo, pelo que a presença in situ é necessária para uma compreensão substancial do contexto. Obviamente, isso categoriza as diferentes fontes, pois algumas serão menos indiretas que outras, mas isso, que depende de múltiplos fatores, não é possível de abordar neste artigo.
Entre as fontes indiretas que usamos estariam os cancioneiros gerais como os de Casto Sampedro, Bal y Gay e Torner ou Dorothe Schubart; cancioneiros locais como os de Arcos Moldes e Manuel Vicente Chapí; cancioneiros digitais como o Apoi do Museo do Pobo Galego ou o Fondo de Música Tradicional do CSIC; repositórios como o da Biblioteca Nacional de España (Biblioteca Digital Hispánica) ou a Galiciana; arquivos sonoros quer em gravações comerciais, quer em domésticas etc.
Mas, por razões óbvias, a principal fonte do nosso repertório documental provém do Fondo Local de Música do Concello de Rianxo. Influenciado pela mesma filosofia de intervenção cultural que envolve o CEUR, o Fundo Local foi criado em 2014 com o acervo musical de José Pérez (1901-1942) e José Nine Piñeiro (1895-1936). É uma boa mostra da música que se fazia em Rianxo a fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX e ele nos dotou de um repertório inestimável de música popular.

Por último, um documento de grande interesse acabou sendo a revista escolar do nosso centro. Anuários desse tipo são, muitas vezes, os periódicos mais longevos da cidade, no nosso caso com cerca de quarenta anos de impressão ininterrupta. Encontramos trabalhos escolares que forneceram dados relevantes, como quadras populares, tradições, ladainhas, brincadeiras etc.
As fontes historiográficas diretas
A observação da herança musical de Rianxo ao longo do tempo permite-nos um estudo de caso que pode revelar conclusões absolutamente surpreendentes. Partimos de um problema inicial facilmente observável: o de como a música urbana deslocou a da tradição oral de forma tão brutal que um repertório com umas poucas décadas de vida é considerado pela vizinhança atual como canções de sempre. Pensemos, por exemplo, nas icônicas Rianxeira ou o Pássaro Pinto.
Neste contexto, o trabalho de campo é sempre complexo, daí que as conclusões sejam o resultado da pertinência de recolher tudo o que o informante nos diz (emic) matizado pelo que a verdade histórica nos revela (etic).
Os informantes que colaboraram no nosso projeto provieram do alunado da Aula de Cultura Musical da Uned-Sénior de Rianxo e da comunidade educativa do CEP X. Mª. Brea Segade de Taragonha. Na minha qualidade de professor em ambos os centros, tive o privilégio de conectar por meio das minhas aulas às gerações da vizinhança de mais idade com a dos mais cativos. Mágico.
Finalmente
Escrevia anos atrás (Orjais, 2011), que “o trabalho com um cancioneiro é sempre um labor de comparação e limpeza, já que cada leitura se converte numa atualização do registo”. Permite-nos reflexionar sobre como somos musicalmente falando, e, até certo modo, como queremos que nos vejam. Hoje, graças ao CEUR, atualizamos o relato que conta a nossa história musical.
Talvez tenhamos conseguido banir algum falso mito; talvez tenhamos exumado alguma velha canção hoje, felizmente, de novo popular; talvez agora nos conheçamos um pouco melhor. Se assim for, valeu!
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