A Arca da Noe: Uma travessia polo mar das Antelas

Resumo

A Arca da Noe iniciou a sua travessia polo mar das Antelas no ano 2014. Desde esse momento leva navegando pola Límia cheia de música, arte e cultura. O seu leme é a rede de pessoas e empresas tecida ao redor, o seu rumo certo, o respeito e a convivência entre uma tripulação muito diversa em idade, géneros, opções sexuais e ideologias; e o seu porto de amarre a luta pola sobrevivência da vida no rural.

Texto

A viagem da Arca começou no 1 de agosto de 2014. Desde o início da travessia tivemos claro que um dos rumos certos seria o da difusão musical de projetos nomeadamente de artistas galegas e lusófonas, mas não só, também espetáculos procedentes de outras partes da Península e de qualquer lugar do mundo se se dava a hipótese, que trouxeram a Vilar de Santos e, por extensão, à Límia, expressões musicais como as dos sons étnicos, o folque, o indie, o jazz, a canção de autora e, sobretudo a música tradicional galego-portuguesa.

Por este trabalho de achegar ao rural novas iniciativas musicais, o projeto da Arca foi galardoado com dous prémios Martín Códax à melhor sala de concertos da Galiza, nos anos 2016 e 2022, e nomeado outras duas vezes nos anos 2018 e 2019. Recebeu também o prémio “Meendinho” em 2020 polo seu contributo à divulgação da cultura lusófona.

Outro rumo com o que dirigir a nave teria de ser, por força, o da formação. Para assentar qualquer projeto cultural na sua contorna é fulcral atrair as pessoas para ele. Por isso, também desde o início da viagem, foi um destino desejado conseguir uma ampla promoção da música galega tradicional e, consequentemente, dos seus elementos de composição e de execução. Assim foram organizados ano a ano, com a parêntese do tempo da pandemia, cursos de percussão e de dança tradicional tanto para adultos como para crianças, que achegaram mais pessoas ao projeto e fizeram com que estas se tenham envolvido mais na travessia durante estes oito anos. A Arca pretende continuar a ser um espaço de divulgação da nossa música com um enfoque participativo, aberto e contemporâneo.

Mais um porto no que a Arca pretendeu ancorar desde os começos da sua navegação polo mar interior das Antelas foi no de fomento da distribuição do produto local. Para nós é imprescindível em toda atividade económica instalada num determinado ponto, que esta tenha como centro o produto e o comércio de proximidade. Por isso, na Arca, o pão , empadas e pizzas são elaboradas no forno “Faragullas”, os licores e confituras de sabugueiro na empresa “Carabuñas”, os enchidos feitos em “Sabor de Aldea”, e muitos dos produtos são adquiridos no supermercado Olga, todas estas entidades de Vilar de Santos. A isto há que somar a procedência da carne de raça autóctone cachena de criadores de gado de Vilarinho das Poldras, no concelho limítrofe de Sandiás, ou de Parada de Outeiro, no próprio Vilar de Santos. As hamburguesas de boi provêm dos criadores de gado da empresa “Briugu” do concelho de Alhariz, e as de vitela e de porco da empresa “Brincas” de Vila de Rei. O leite vem de uma exploração ecológica de Torneiros, também no concelho de Alhariz. No local podem ser consumidas cervejas artesanais, vermú de Ourense e vinho ecológico “Couto Mixto” de uma adega de Mandim, no concelho de Verim. As hortaliças cultivam-se na cooperativa de consumo responsável “Tralareira” de Meire (Alhariz). Hai mel do concelho dos Blancos, de Pinheira de Arcos (Sandiás) e até da empresa “O Galeirón” de Mercurim do Courel.

Em colaboração com o forno “Faragullas” e com a empresa de desenho têxtil “Lumecú” de Vilar de Santos levam-se já organizados nove mercados de produto local e artesanato nalgumas primaveras e outonos, dependendo da climatologia, em que participaram as empresas antes citadas e muitas outras, até conseguirem se colocar por volta de um total de trinta postos de venda. O objetivo é promover o intercâmbio direto entre as pessoas produtoras e artesãs e as consumidoras. Nestes mercados incluem-se atividades musicais, teatrais, circenses… para todo o tipo de público.

Um porto calmo, onde procurar abrigo, foi e será sempre a atividade cultural representada nas exposições, apresentações de livros, obradoiros de arte, artesanato… Mês a mês vão passando artistas da comarca e de toda a Galiza que nos deixam mostras da enorme quantidade e qualidade das iniciativas teatrais, de espetáculos para crianças, de pintura e escultura e fotografia que se estão a desenvolver nesta altura por todo o país.

Durante a pandemia houve que mudar muito o rumo. Por vezes, parar e refletir para poder continuar com a travessia. Tivemos que programar concertos apenas para vinte pessoas dentro do local, realizar outros numa extensa carvalheira onde se encontra o “Espaço Carabuñas” a cobrar entrada e, por último e definitivo, desenhar os almoços ou jantares-concerto em que se paga a comida e o espetáculo numa entrada única de vinte euros, a reservar com antecedência. Foram vagas epidêmicas difíceis de surfar, mas que conseguiram ser ultrapassadas.

Em 2020, com a dúvida de se seríamos quem de nos manter a boiar depois da pandemia, tivemos a ideia de produzir um livro-CD sob a epígrafe: “”Oceanoe, travessia polo mar das Antelas”, mais um projeto coletivo, uma singradura por portos seguros que evocam a história deste mar interior chamado a Límia. Cerca de vinte localizações e mais de cinquenta artistas compõem este livro-CD, com uma vertente audiovisual que tem a Sérgio Tannus e a Lucia Cortiñas como timoneiras, e uma outra literária com a Irene Veiga como mestra de velame. Nós nunca descansamos Esta nova viagem músico-literária nasceu com o propósito de chantar a Arca como uma pedra fita na memória da comarca.

Juntamos, como sempre tentamos fazer, à volta da Arca, muitas das pessoas que habitualmente viajam na nave e lançamos mais um outro projeto à sociedade, para misturar as almas das pessoas que por aqui estão ou das que entram de vez em quando a se juntarem na arte da criação. Esperamos, depois de variados problemas financeiros e de saúde, que se publique por volta do verão de 2023, data do IX aniversário da Arca.

Como se pode observar nas atividades e projetos levados para a frente, o trabalho em rede é imprescindível para consolidar um projeto no rural. É preciso manter sempre a colaboração com outras iniciativas próximas para podermos continuar com a travessia. Foi o ponto de apoio que nos permitiu esquivar os obstáculos que se interpuseram na viagem e que nos deu a força necessária para tirar do leme e não afundar.

Mais um propósito fundamental para nós é que se dê um encontro entre gerações, entre pessoas de diferentes opções ideológicas, linguísticas, sociais, de distintas procedências… Queremos evitar qualquer tipo de discriminação por razões de género ou de opção sexual. Conviver com naturalidade e com respeito é um dos nossos objetivos, assim como romper com os preconceitos que existem a respeito do rural e cum jeito de pensar majoritário que acredita que a atividade cultural só se pode desenvolver nas cidades.

A Arca navega com uma ideia chave: promover um novo rural vivo, pondo em valor o nosso passado e acrescentando novos matizes que consideramos cruciais para renovar o ambiente da Límia.

Acreditamos no futuro, há futuro, já se está a manifestar nas consciências das meninas que mostram orgulhosas o nome do local nas suas canções tradicionais e de nova criação: “As Xingras da Arca”, o nosso grupo de pandereteiras e cantareiras residentes, com uma idade de entre 9 e 14 anos e que levam com a sua aprendizagem desde 2017.

O futuro está nas pessoas que colaboram desinteressadamente na organização das atividades, na gente que ensaia e participa dos obradoiros do local; nas que telefonam insistentemente para mostrarem os seus espetáculos, nas que desfrutam com a programação cultural, nas que vêm degustar viandas e licores e mesmo nas que simplesmente são amigas e passam por ali de vez em quando para nos visitarem.

Somos da Arca e a viagem continua.

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